Pense no tamanho do problema: você aloja 100 mil alevinos de tilápia para engordar em viveiros escavados; nesse universo pode haver, em média, 5% – 5 mil indivíduos – que escaparam da masculinização e são tilápias fêmeas; ao alcançar a maturidade, que pode ser pouco tempo depois do povoamento, elas vão desovar e, a cada 20 dias, liberar nos tanques centenas de alevinos cada uma, enchendo os criadouros com milhares de tilapinhas indesejáveis que vão disputar com os peixes da criação a preciosa ração que você orçou para aquela safra. O resultado disso, todo mundo sabe: conversão alimentar nas alturas, disparo no uso de energia elétrica para manter níveis satisfatórios de oxigênio, tanques colapsados, peixes que não chegam ao tamanho ideal para o mercado… No mínimo, um baita prejuízo, podendo mesmo chegar à perda do lote.
Foi com um barulho desses na cabeça que os responsáveis pela Copacol determinaram que um técnico da cooperativa procurasse o Projeto Pacu – empresa do Mato Grosso do Sul especializada no desenvolvimento de tecnologias de produção e reprodução de peixes nativos das bacias hidrográficas sul-americanas – em busca de uma solução. Era o ano de 2013, nas contas de Nestor José Braun, hoje gerente de Integração Peixes da Copacol: “Eu pensei: eles lá são especialistas e pesquisam espécies nativas, e nós aqui entendemos de tilápia. Como é que a gente pode transformar esse problema em uma solução boa para todos?”, ele se perguntou.
Simão Brun, diretor do Projeto Pacu, lembra bem da ocasião em que um técnico da Copacol chamado Diogo Yamashiro telefonou. “Do outro lado da linha ele disse: ‘Eu preciso de peixe que coma peixe’. Eu respondi que isso era o contrário do que a gente fazia, que a gente trabalhava para tornar os peixes menos canibais, fazendo treinamento com ração, essas coisas”, recorda.
Bastaram alguns minutos de conversa com o técnico e ficou claro para Simão qual era a dimensão do problema – e veio a sugestão para que ele visitasse a região do Oeste do Paraná para conhecer algumas criações de cooperados e pensar em uma solução. Ao chegar lá, Simão viu o desespero dos trabalhadores: eles tinham equipes de coleta de desova que iam de viveiro em viveiro – eram mais de 300 cooperados com média de 5 a 6 viveiros por propriedade – tentando retirar as tilapinhas para minimizar um pouco a situação: “Eles passavam uma rede para remover esses peixes pequenos do meio dos outros. Uma trabalheira danada. Enfim, eu acompanhei isso, entendi o que precisava ser feito e comecei a mandar alguns peixes predadores – pirarara, dourado, pintado, entre outros – para que eles pudessem testar nos viveiros. E o dourado foi espetacular! Não tinha nada científico, mas a intuição já dizia pra gente que o dourado era o peixe correto”, afirma.
A origem da intuição
Simão conta que já havia resolvido problema semelhante em propriedades que contavam com lagos de pesque-pague, e os donos se incomodavam com a presença de lambaris, carazinhos e outros peixes miúdos em meio aos peixões cevados para o anzol: “O cara quer, às vezes, pescar um peixe grande, joga uma isca e o peixinho vai lá e detona. É uma decepção. Quem tem lago de pesca acaba se incomodando com isso. Então a gente indicava colocar um alevino de dourado a cada 25 metros quadrados e esses douradinhos davam conta do problema, equilibrando o sistema”, diz.
Antes de recorrer ao Projeto Pacu, o gerente de Integração Peixes da Copacol diz que tentou reverter o prejuízo dado pelas desovas indesejadas buscando um meio de aproveitar as tilapinhas: avaliou a possibilidade de enlatar o produto, usou para alimentar jacarés, testou no cardápio de zoológicos… mas nada superava o prejuízo que elas causavam nos viveiros. Então houve a conversa com Simão e a visita dele à região de produção. O diretor do Projeto Pacu conta que, em sua passagem pelo Oeste do Paraná para conhecer o processo de produção de tilápias, pôde observar in loco o tanto que a atividade estava sendo afetada pelas desovas indesejadas e o transtorno que isso trazia tanto para os produtores – que batiam à porta da cooperativa ou telefonavam pressionando por soluções – quanto para os técnicos e dirigentes da Copacol, que não viam suas ações surtirem o efeito desejado. Assim que voltou para o Mato Grosso do Sul, Simão despachou para o Paraná uma leva de vários peixes predadores para serem testados, entre eles pirararas, dourados e pintado.
Segundo Nestor, alguns ensaios experimentais para testar a eficácia dos peixes predadores no controle das desovas foram feitos em hapas (pequenos tanques-rede), cada uma povoada com 3 mil alevinos de tilápia com peso médio de 1 grama: “A gente montou as hapas com as tilápias e adicionamos os alevinos dos peixes predadores, em proporção conhecida. Semanalmente, levantávamos essas hapas e contávamos os alevinos e, após 30 dias, chegamos ao final do experimento. Onde tinha dourados sobraram apenas 30 alevinos dos 3 mil que foram colocados. O dourado foi, sem dúvida nenhuma, o peixe que resolveu o nosso problema”, afirma Nestor.
Sobre isso Simão completa dizendo que, além de entregar um desempenho melhor do que os outros predadores nesse trabalho, o dourado registra um atributo a mais: é nativo das bacias dos rios São Francisco, Paraguai e Paraná, regiões onde se concentram importantes polos de produção de tilápia no Brasil. “Então não estamos falando de risco de se estar introduzindo naqueles ecossistemas um peixe exótico, no caso de acontecerem fugas” explicou.